dimanche 2 novembre 2008

Prostituição, tumultos corruptus.

Gostava de escrever sobre coisas banais, coisas simples fundamentais.
Gostava de andar sem ter que pensar, de amar a liberdade sem a procurar.
Gostava de vaguear por caminhos alagados, de charcos e de poças ensopados.
Gostava de ser como os livros, de letras escritos a canetas de tintas borrados.

Ser exaustão de corpo, no chão, ser excitação em éfemeros de porca sedução.
Ser excremento na moral capital, ser demente na vida banal.
Sou isso e para isso sei ser. Sou isso de mim para mim na mais pura solidão.
Sou o que não sou, vivo o que desejo ser, sou cão nas vistas da multidão.
Sou assim como quem não quer ser, sou isso sem por isso o ser.

Apodrecer sem o odor da putrefacção. Cair de alto e erguer
Viver é andar sem ter que escolher, é ler sem o abrir, é fechar e não o sentir.

João Velho (1908)

Amor Corpo


Nas minhas palavras... escrevo-te na pele!

Falava-me de revolução, de mim mesmo para mim próprio.
De mim para o meu corpo, de mim p’ra ti que te escrevo.
Corpo, corpo meu, cansado andaste e com os teus pés o fizeste.
De mim para ti falo. Eu sou tu, mesmo que isso não queiras ser.
Corpo, corpo meu... tantas e tão poucas levaste... p’sadas foram,
da cabeça aos pés, do teu corpo, pelas entranhas padeceste e morreste.

Benditas sois vós, Dona da delicadeza... a vós rezei o meu corpo.
Por vós mereci a bondade e aos vossos pés abandonei a vontade.
Por elas amarinhei... chegadas as cochas, chorei e deitei.
Fechadas ao alto tive o prazer de cuspir e dor não sentir.
Do meu corpo soltaram-se amarras... amarras velhas.... amarras soltas.
Fraco de amarras soltas... tonto, embriagado, desgastado, cuspido, fodido.

Corpo, que me dizes? Como estás?
Sente... sente a liberdade aos teus pés... a vontade no vento.
Como estás? Sente... mesmo doente... sente o calor e o frio.
Como estou? Livre... sinto o vento... o mar bate-me e cala-me.
Leve, bastante leve, me sinto... sinto-o a passar-me na alma.
Sinto o mar a entrar... a entrar adentro, a inundar, a violar, a trespassar.
Sente, sente, corpo, corpo meu... flutua na água do mar.


Na tua pele, com o teu sangue, escrevo-te na carne a palavra libertar.

Manuel Areia (2007/08)

Armandina puta da vida.


Longe... ô delá da encosta.

Sonhos parados dinstantes sanfetos...Uta da ida, dadida dela.

Descende, verde, amarela, triplitante vagabunda, feia descusida, janela desnuda.

Pasmada, sofrida, perdida da rua. Amada, fedida, amante vendida.

Parvas pernélias deslinguidas, tranquilas, abertas mendigas. Ixa lariça, petija buraca, almaca na lona, ferida bandida, uta da ida, da vida dela.

Deslambida, fona da jona, bandida, magana da vida. Bendita, malvada, candida sapuda, batuta nela.

Pedas padradas, mijadas dela. Buracas na lona, na ona dela.

Pexadas, a cordas dentadas, dela. Armandina, menina. Na corras, masmorra.

Armandina, piquenina canina. De cadelas paridas cães sanfetos...Longe... ô delá da encosta.


João Velho (1907)

samedi 1 novembre 2008

Três Entidades (seremos)

Santo, homem, criança.
Vestido, despido, esperança.
Em trilhos de pedras caminhou.
Pelos seus filhos ressuscitou.

Longe viajou, perto amou.
De dia viveu, de noite voou.
Dentro permaneceu, fora nasceu.
Ontem falou, hoje venceu.

Criança, busca, homem.
Despido, aventurança, vestido.
Em terras caminhou e falou.
Montes subio e parou.

Homem, dúvida, sonhos.
Perda, desencontro, reencontro.
Fusão, união, ejaculação.
Azul, fundo, tesão, visão.

Divino tocamos e não nos lembramos.
Amor sentimos e de tudo nos despimos.
Cuspos, mucos, sucos.
De corpos desnudos provamos, gostamos.

Louca corrida, desenfreada, vivendo Amor.
Pelas terras dos sentimentos sentimos calor.
Corpos despidos aclamam aos céus.
Corpos pingando ensopando os véus.

Chamemos Amor esta louca corrida.
De Alma desnuda, vivida.
Entremos nela de pés descalços.
Tentemos a volta sem precalços.

Acto, sentimento, entendimento.
Três entidades, três vontades.

Fernando de Bulhões 1207

Espoir....

Linhas tortas, direitas, enviusadas... levam-nos para outras terras.
Desencantos, não vontades, poucos desejos... vinda esperança sem guerras.
Lembranças, leituras e escritas, cantares, são as vozes levadas pelos ventos.
Sombras, memórias, vitórias, saberes, ficam-se nos tempos.

Sonhos, para além mar, para além mundo, avistados ao longe escurecem.
Pedras, ervas, sonhos que ficam, nos meandros das tocas, gritos padecem.
Buracos ermos, finas terras, animais sois homem, homem de pele e tosca ventura.
Finos caminhos raspam-nos a carne, tormentam-nos a pele que em migalhas perdura.

Sois homem, sou nada, sou tudo, posso nada, posso tudo, sou filho erguido de mães.
Forte de nada, forte de nada mais que alguma coisa, saltos em covas, muros de cães.
Verdes, azuis pálidos, vermelhos encarnados, céus de cores pardas ferem-nos os olhos.
Cospe soluços de barriga vazia, colhe frutos, apanha maduros, fazem-se molhos.

De uma terra sou, para uma terra fui. Longe sem distância ficam as memórias deitadas.
Do mar avista-se a terra, da terra avista-se o nada, o nada de portas fechadas.
A um mundo pertenço, de mãe fui parido, de terras vivi e nelas cresci.
De quintas fazem-se as sextas, de sábados domingos se fazem e foi nos entres que nasci.

Minguam os anseios por estas tantas palavras, findam-se as feias pelos ventos levadas.
Não todas, algumas poucas. Poucas, são as que restam para seram castradas.
Pensamentos flutuam em berços de nada, formigam em carreiros em barcas jogadas.
Foram as febres, deixaram as marcas, sombras marcadas em almas cansadas.

João Velho (1907)

Que tempos foram os de outrora?

Que tempos foram os de outrora?
Longos, será certo! Como ontem os de agora.
Hoje simples. De desnudos incertos.
Amanhã vagabundos. De corpos despertos.

Para onde foram os de outrora?
Senhores sem cartola, de senhora vestidos.Vermelhos garridos, ao alto tingidos. Passadas largas em pretos sapatos. Curtas pernas em veludo de fatos.

Quem foram os de outrora?
Ruas vendidas, sujos, despidos. Esquinas putas de pernas caducas. Homens perdidos de secura varridos. Saltos altos e vermelhos vestidos. Curtos tempos em labutas despidos.
Hoje simples, amanhã vagabundos, ontem vencidos.
De fatos pretos correndo a penumbra. De saltos altos, vermelhos dourados. De sapatos rasos, vermelhos folhados. Pobres despedidas de mémorias tingidas.

Tempos de oiro foram os de outrora!
De homens de cartola! Pretos fatos, de mulheres vestidas! Cores garridas! Altos saltos, sapatos, fatos e cartola. Vermelhos garridos, vencidos despidos.

Foram estes os tempos de ontem. Os tempos de hoje e de outrora!
Nas ruas da amargura.Varridos de secura, lambendo a vazadura.


João Velho (1907)

Corpo de Bicho...

Foram cantos célebres, risadas, ensaios e cegueiras. Soluços, quebras, bloqueios e janeiras. De dentro para fora, de fora para dentro! Bloqueios célebres, curtas frases sem pontos, fios, poucos, finos.
Portas pequenas, janelas redondas deitadas. Falando com elas, de fora para dentro! Estúpida criança que vai e que volta, de dentro para fora de fora para dentro! Não voltes criança, não venhas, vai e fica lá fora, lá dentro!

Foram cantos, risadas, ensaios e cegueiras. Cantos lá fora, cantos cá dentro, cantos quadrados de casas. Adentro vergados cantos de canos de casas lá fora. Cantos e cantares, ouço-os. Muitos cânticos, resmungo orando, ouço-os.

Foi um canto, um ensaio e duas cegueiras. Ela canta pouco, fala pouco, muda, ouço-os. Que canta ela, pouco, muda, desnuda? Ouvimo-la! Se desnuda, muda. Ouvimo-la! Libertou corpo, pele, nos cantos, no quinchoso! Na muda desnuda tornou-se Bicho! Uma apenas. Bichos dos bichos, voou!

Grita, muda, do alto da penumbra! Pele desnuda, corpo de bicho, bicho de bicha, mudo... desnudo, cantos canta! Voa, muda, pele de bicho, canta.

Desnuda, mudo, canta, bicho de bicha, bicho de fila, bicha de banca, fila de peixe, peixe escama, pele de bicho, bicho voa, corpo mudo vivo desnudo canta.


João Velho (1906)